_CARTA LACRADA

emmanoel cardoso

É incrível como tentamos remendar com razões vãs o que sobra de um átimo de nexo. Este vazio é preenchido justamente pela falta de tudo aquilo que nunca esteve ali e que não se pode entender. Aliás, não se deve fazê-lo. É causa perdida. Já há no tempo mais espaço que todo e qualquer laço atado quando se estava junto. Lá fora, camarada, a hora passa e não será para sempre que o segundo durará mais que uma vida. Pense nos dias gastos, nas frases bem articuladas, cada palavra em seu devido lugar, elas também servem para não magoar, mas perdem o sentido quando o agora se vale mais de silêncio. Aquele sorriso que encantava e o aperto de mão de uma breve partida não serão para sempre, também existirá o adeus se compreendermos que as coisas terminam sem ao menos começar e que ao estarmos dentro poderemos também estar de fora, saberemos que não há muro que divida as partes, que se pode transitar por todo lugar. Estando perto, fechado, não se vê como é amplo tudo o que foi selado, era um pacto, que nunca existiu. Não se pode brigar consigo, pois isso é medo, receio dos carros, das flores, que a vela se apague e, ao estar no escuro, não saiba encontrar um canto vago. Haverá muitas pontes para passar ou pular caso queira acordar, basta olhar ao lado e ver que você é o seu próprio carrasco. Quem mandou criar no outro a imagem do seu próprio egoísmo? Reflita e veja que agora é passado, tudo já estava mudado e foi você quem não viu. Estando ai desse lado, que não é o meu, que não é o dele, que é somente seu, poderá fazer as pazes com a mentira e dessa outra verdade fingir que algo existiu. Não há nada mais intenso que viver eternamente a dor de se notar. Não ser o outro, não estar com o outro, ficar em todo lugar. Encontrar-se em agonia, pegar a fila da espera, cansar de tanto chorar, é algo que não se pode apagar, é como existir e saber que se pode acabar, que essa não é a mais absoluta das verdades, há outras que nem mesmo o momento, o desejo, muito menos este texto irão explicar.